***
Num pedaço de espelho partido ela se olha e torna pintar o rosto de branco. Uma textura de tinta desconhecida, de efeito satisfatório, embranquece a sua face. Num cantinho escondido da rua escolhe sua melhor roupa (ainda que haja um rasgão nos panos), coloca seu chapéu, sua bolsa, até então vazia, e segue seu rumo.
O primeiro ônibus vem passando e, de longe, ela pede a parada. Entra, cumprimenta os passageiros com um bom dia feliz e espontâneo. Do barulho percebe-se o silêncio das vozes que se calam para olhar e ouvir aquela garota tão animada e encantadora. E tinha um talento admirável! Pobre de materiais e bens que deveria ter, por direito, rica de palavras e gestos, é dona de uma voz altiva e encantadora.
Na primeira parada inicia-se o recitar interpretando uma poesia de Carlos Drummond de Andrade. E continua a viagem... No próximo ponto recita uma poesia que fala de sertão. Não se sabe o autor - talvez seja de sua própria autoria -, mas ainda assim, o público não recolhe aplausos e a satisfação nos olhos da grande atriz é brilhante.
Agora ela passa o seu chapéu. A menina que veio do Ceará tentar a sorte em um lugar desconhecido colhe o reconhecimento de seu trabalho. O barulho das moedas representam contentamento, o prazer e admiração dos passageiros. Mas então a porta da frente se abre e ela desce no próximo ponto, entra numa outra lotação e segue adiante com sua alma rica e cheia de luz. Vai embora com a maior riqueza de sua vida: a riqueza da alma. E eu vou seguindo o meu caminho pelos pontos da cidade esperando encontra-la, outra vez, para mais um recitar.
2012 © Diego França