17 de setembro de 2018

'Graça e Fúria', de Tracy Banghart


Olá! ♥️
Representatividade importa sim! E muitos autores à sua maneira tem tentado inserir nas suas histórias personagens que representam a minoria. Embora nem sempre satisfatória, a representatividade surge como um grito que por muito tempo esteve abafado, mas que agora, espero, não vai mais se calar. Em "Graça e Fúria", de Tracy Banghart", temos o grito das mulheres na luta diária pela sobrevivência numa sociedade (não tão) fictícia, onde as mulheres não podem saber ler, não decidem, não escolhem e são criadas para serem graças e servir aos homens.


O livro é e sempre foi uma das armas mais significativas e fortes para vencer batalhas contra a ignorância. Nele recriamos espaços e universos, recontamos histórias e nos colocamos diante de acontecimentos que embora não represente completamente e fielmente a realidade, de alguma forma mostra um pedacinho dela, o suficiente para um primeiro despertar. E é a partir disso que o livro torna-se um "perigo". Assim pensam os homens de Virídia, cidade palco dos percalços pelos quais Serina e Nomi, personagens principais do livro, passarão.

Serina Tessaro sempre foi criada para ser uma graça. Bons modos, delicadeza, ser boa dançarina e se curvar diante do governante foram coisas que aprendeu durante todos os anos sendo preparada para a grande seleção. Em contrapartida, Nomi Tessaro acha tudo isso um absurdo, afinal uma mulher não deve ser escolhida, ela deveria ter o direito de escolher. Mas não é assim que acontece em Verídia. Enquanto sua irmã se prepara para ser uma graça, Nomi ocupa o papel de aia mesmo contra sua vontade. Ela acredita que não deve seguir regras e que pode fazer o que bem entende, inclusive até aprendeu a ler (algo proibido para as mulheres). Seu amor pela leitura é tão grande, que Nomi acaba cometendo um erro que vai colocar em risco a vida de sua irmã que agora está separada dela por ter levado a culpa. A partir de então, toda a narrativa é envolvida pela tensão e batalha de Serina e Nomi para sobreviver às prisões que as cercam e à lutas que colocam mulheres contra mulheres.
"A lei proibia que as mulheres lessem. Na verdade, a lei proibia que fizessem praticamente qualquer coisa além de parir, trabalhar em fábricas e limpar a casa de homens ricos." [pág.: 20]
Graça e fúria com certeza bebe da fonte de algumas distopias que já conhecemos e a relevância de sua temática torna a história mais impactante. É possível encontrar lembranças de "A Seleção", de Kiera Cass, na seleção para escolher a nova graça, bem como reconhecer desfechos de "A Rainha vermelha", de Victoria Aveyard na narrativa. No entanto, sem desmerecer as demais histórias, o livro de Tracy nos apresenta imagens sofridas de mulheres prisioneiras, reféns de seus próprios medos e do patriarcado, o que já é um motivo para darmos maior atenção já que a ficção segue os passos da realidade e nesse momento de desconstrução e luta pelos direitos da mulher se faz uma leitura necessária.

Ainda que não seja uma história memorável quando se fala em feminismo, Graça e Fúria se revela uma narrativa cheia de reviravoltas e diálogos inteligentes que faz um convite à reflexão a cada discursos de empoderamento e até mesmo de submissão presentes na narrativa. O tema abordado não se desenvolve de maneira simplória e traz questões bem reais que estão presentes nas sociedades há milhões de anos. Posso falar das humilhações pelas quais as mulheres passam, da violência com que são tratadas, da prisão a que são submetidas, entre outras coisas.

Serina e Nomi tem personalidades diferentes. Enquanto uma nega as imposições, a outra, para se manter segura, cede a elas. Mas agora, Nomi, que sempre quis escolher seu próprio destino, está presa em um palácio sem saber em quem confiar. Ela está de mãos atadas com medo de prejudicar e perder a irmã de uma vez, mas tentada a arriscar tudo para salvá-la. Enquanto isso, Serina, que foi criada para ser a garota perfeita, precisa ir contra tudo o que aprendeu para escapar da prisão. É nesse momento que a garota despertará e compreenderá o que a irmã costumava dizer. E vai descobrir que é mais forte do que imaginava.


Embora nem sempre Serina concorde com Nome e esta, por sua vez, também discorde de Serina, intriga alguma é capaz de fazê-las se odiar. Isso, além de amor de irmã é um ato de união. E num dado momento, em meio ao inferno que se revela para Serina, o leitor vai estar diante de uma grande luta pela sobrevivência. Essa luta é provocada pela vaidade dos homens que se sentem mais seguros quando as vêem brigando. Neste momento você perceberá a importância da união das mulheres e um superpoder chamado sororidade que se inicia na história e provavelmente estará mais evidente no segundo livro da duologia.
"O coração de Serina despencou. Mulehres não brigavam. Nunca. Nem com homens, nem com as outras. Violência era sempre punida da forma mais severa. Ela já tinha ouvido histórias de mulheres que haviam tentado lutar - uma prima distante que tinha se defendido do marido abusivo, uma mulher na fábrica de tecidos que havia estapeado um homem quando ele tentara beijá-la. Todas tinham sido severamente punidas. Açoitadas, presas. (...) Como aquilo era permitido no lugar cujo propósito era conter tal comportamento?" [Pág.: 74-75]
Como uma escrita leve e uma narrativa que empolga e toma a atenção do leitor, Tracy Banghart nos conta uma história que representa muito bem o sofrimento da mulher para se manter numa sociedade machista e nos apresenta uma possibilidade plausível para que esses homens as queiram diminui-las. A autora também traz o contraponto entre a mulher rebelde e a submissa e nos surpreende em dado momento quando insere uma retomada de consciência de uma das personagens, embora deixe a desejar, nesse primeiro livro, com a personalidade de Nomi, ainda que haja uma justificativa plausível para isso o leitor sempre vai esperar mais de suas ações.

Em suma, Graça e Fúria é uma distopia que merece ser lida com entusiasmo, merece ser dada de presente à sobrinha, à neta, à filha. E mais importante ainda, aos filhos, e primos, e netos. É uma história válida para quem está começando a ler e se interessa pelo tema da narrativa. É uma história que, além de reafirmar a força e a luta constante da mulher, que ela deve ser ouvida, nos mostra o quanto a leitura pode fazer de nós pessoas poderosas. 

Bjão!
Com carinho ♥️

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