23 de março de 2018

'Me chame pelo seu nome', de André Aciman: da poesia à obra de arte


Muitos são os livros que nos emocionam, isso é algo óbvio para qualquer leitor. Sabemos o quanto somos empáticos na maioria das vezes em que nos deparamos com histórias que abordam temas que nos parecem tão familiar: ligado à vida de um parente, de um amigo, da vizinha, até mesmo à vida que é nossa e diz respeito às lembranças que temos do passado. Uma história pode muito bem atrair você, mas há momentos em que ao invés disso ela te escolhe. Com Me chame pelo seu nome foi assim. Ela me escolheu e em vários momentos me confundi em relação a quem eu sou, quem eu estava sendo, quem eu fui; e mergulhei na história de amor de Elio e Oliver como quem cai num buraco e se depara com um mundo novo, mas ao mesmo tempo familiar.


Olá!

Talvez você já tenha assistido ao filme tão bem comentado, ganhador do Oscar de melhor adaptação, estrelado por Timotheé Chalamet e Armie Hammer. E talvez ainda não tenha lido o livro - ou pode ser a situação inversa também. Independente de qual seja o seu caso, uma obra apresenta diferenças mínimas em relação à outra. Quando a gente adapta um texto para o cinema estamos automaticamente recontando a história, e recontar a história exige um novo texto. Então, se você já viu o filme e ainda não leu o livro não corra, dê atenção a ele. É a mesma história, mas olhares diferentes. E o melhor de tudo: a essência não é perdida em momento algum.

Todos os anos o pai de Elio recebe na sua casa um estudante, a fim de ajudá-lo na pesquisa de trabalhos da faculdade e até na escrita de um livro ou tradução dele. E é no verão de 1983 que a família inteira se reúne para receber Oliver - um americano atraente e evasivo, que aproveita o clima para além de trabalhar se divertir e conhecer a Riviera Italiana nas horas vagas. Nesse período, entre encontros no jantar, banhos de piscina, passeios de bicicleta, festas, discussões sobre literatura e arte um sentimento novo e intenso se revela para Elio e o visitante. Ambos tentam se mostrar indiferentes, alheios ao que acontece. No entanto, chega um momento em que disfarçar e negar o que está acontecendo torna-se impossível. É preciso superar o medo e aceitar. Quando isso acontece os dois passam a viver uma troca tão intima e calorosa de desejo e paixão, que marcará para sempre suas vidas.
Com rara sensibilidade, André Aciman destrincha as facetas do desejo, da descoberta da sexualidade e do início da vida adulta, fazendo de Me chame pelo seu nome, uma crua e memorável elegia à paixão.
Oliver é estudante acadêmico, professor e escritor,  acabou de chegar na Itália para acompanhar a tradução de seu livro que será publicado no país. Ele ficará hospedado na casa do jovem Elio, que assim como no verão anterior cede seu quarto para o novo hospede, a fim de que ele possa se sentir confortável durante a estadia. Aos 17 anos de idade, Elio ocupa seu tempo fazendo leituras e transcrevendo músicas clássicas, que em seguida será tocada ao piano para os amigos que frequentam sua casa. No entanto, esse será um verão diferente. E o garoto sente isso assim que vê Oliver pela primeira vez e percebe que seu modo seco e direto de falar (Até depois!) já o atinge de alguma forma. 

Comecei a ler o livro mês passado. Durante a leitura não consegui me segurar e assisti ao filme. Foi uma emoção indescritível. O filme realmente me tocou profundamente, me fez regressar e viver um momento de confusão e descoberta na minha vida. Foi lindo reviver aquilo, me enxergando na história de Elio e Oliver. E por ter me emocionado tanto com o longa acreditei que a leitura do livro seria desinteressante. Me enganei.


A narrativa de André Aciman deve ser destacada acima de tudo. Tantos detalhes, tanta profundidade, tanto amor depositado em cada página e em cada palavra para descrever o sentimento intenso e tão único do personagem aproxima o leitor de tal modo,  que ele pode facilmente se confundir: Quem sou eu, quem é ele? Onde está a minha vida, aqui comigo ou misturada ao que Elio e Oliver vivem no verão. Afinal, quem nunca viveu uma paixão intensa, que tirou seu sono e causou uma confusão tamanha na mente e no coração? 

Narrado em primeira pessoa, ME CHAME PELO SEU NOME nos leva a mergulhar na doçura e ao mesmo tempo na acidez de um relacionamento que vai sendo construído aos poucos, em meio à negação, ao orgulho e ao medo dos personagens. Através do olhar e do ponto de vista de Elio, vamos conhecer ambientes e aflições do personagem, a partir das lembranças que ele tem do primeiro contato com Oliver. O início do livro é repleto de suposições em relação ao momento em que ele finalmente se apaixonou pelo rapaz. 
Pode ser que tenha começado logo que ele chegou, durante um daqueles almoços tediosos, quando sentou-se ao meu lado e finalmente percebi que, apesar do leve bronzeado adquirido durante a breve estadia na Sicília no início do verão, as palmas de suas mãos tinham a mesma cor da pele clara e macia da sola de seus pés, de seu pescoço e da parte interna dos antebraços, que praticamente não haviam sido expostos ao sol." [Pág.: 11]
É uma história levemente sexy e intensa, que nos leva de volta àquele momento de nossas vidas em que um novo - e desconhecido - sentimento toma a cena e nos tira do lugar comum. O exagero na devoção de Elio por Oliver, o romantismo exagerado e poético são características da narrativa que faz dela dramática e certeira, no modo como representa a paixão. No entanto, aqui estamos diante de uma relação homossexual, não podemos esquecer de que para a sociedade é uma relação atípica e por isso possui seus percalços não somente no que se refere a assumir e viver o que tem que ser vivido, como na questão de se aceitar e aceitar essa condição até então desconhecida. 
"Quero conhecer seu corpo, quero conhecer seus sentimentos, quero conhecer você e, através de você, conhecer a mim mesmo." [Pág.:146]
Todo o comportamento de Elio (arredio e frio, às vezes) e de Oliver (também frio e muitas vezes distante) é justificado não só pelo período em que se passa a história, como também pela diferença de idade entre os dois (17 e 24 anos). O novo assusta, o "proibido" atrai. Há uma luta interna e Elio vive isso a todo o momento, quando quer fugir do que não é bem visto e não é "comum" naquele período; mas ao mesmo tempo há um sentimento mais forte, diria que avassalador que quer e rompe todas as barreiras do "não", do que se diz certo, do se diz ser errado. E acredito que haja uma beleza muito grande nisso. Principalmente quando o ambiente familiar se apresenta de forma inesperada e surpreende.
Não era ele que eu odiava - mas o que tínhamos feito. Não queria que ele olhasse dentro do meu coração ainda. Em vez disso, queria sair daquele pântano de autoaversão e não sabia como."[Pág.: 160]
Uma poesia pode se revelar dramática; o drama tão real, vivo e cru de Elio e Oliver se faz poesia. E essa é uma poesia cheia de referências a clássicos da literatura, uma homenagem aos grandes filósofos que trabalharam suas ideias e também aos grandes artistas que esculpiram suas artes que transcenderam espaço e tempo. 

"Me chame pelo seu nome" carrega em suas páginas o amor em sua forma crua e transparente, mesmo nos momentos de negação. É uma história sobre descoberta, sobre aceitação, mas acima de tudo sobre como o amor está para todos.

19 de março de 2018

[#1] "Para você, com carinho"


Imagem ilustrativa, retirada da internet.

Olá,

Sei que não deve estar sendo fácil esse momento de solidão dentro do quarto, chorando, desejando que as coisas tivessem seguido caminhos diferentes. Eu também terminei um relacionamento, durou muito tempo, e eu queria que durasse uma vida. Mas nem sempre isso acontece. Fiquei recluso, não queria ver ninguém. Era um momento meu, eu precisava vivê-lo. Então, gostaria que você soubesse que você não está sozinhx e que não há problema algum se você quiser se trancar no quarto e chorar até se sentir renovadx, prontx para recomeçar. 

Sei que é incomodo escutar das pessoas coisas do tipo "arruma logo outro que passa", e até "ele não te merecia, parte para outra". Parece uma mensagem interna, algo que todo mundo deve aprender quando nasce; todos preparados para falar a mesma coisa quando não sabem o que dizer. E na verdade, não é necessário. Nem sempre é preciso falar. Qualquer coisa que nos digam, o momento será o mesmo, a situação será a mesma, os sentimentos de perda e frustração também serão os mesmos. E é assim que as coisas são agora, não vão mudar de repente, como num passe de mágica. Não quer dizer que vá durar para sempre, só que a gente não precisa de palavras bonitas ou frases de efeito, mas de abraços calorosos e ternos. Acredito que eles dizem mais do que qualquer palavra.

Então vou te dizer, chore mesmo. Deixe que as lágrimas saiam, pode ter certeza que depois disso você estará mais leve. E talvez amanhã ou mais tarde elas queiram voltar, não prenda. As lágrimas são nossas companheiras, depois que deixamos que ela saia e vivam sua liberdade imediatamente teremos a nossa. Esqueça isso de que chorar é para os fracos. Nunca foi. Corajoso mesmo é quem chora, é quem deixa o orgulho de lado e se dá a chance de viver esse momento desconfortável. Porque é disso que a vida é feita, de momentos bons e momentos difíceis; não é nenhuma novidade. Claro que você não viverá triste para sempre - e por favor, fique atentx quando seu corpo te der sinais de que é hora de levantar e seguir em frente. Mas você tem que entender que a gente só aprende errando e que esse clichê faz todo sentido. Você cai para aprender a andar, leva um soco para aprender a bater. Com certeza você vai saber depois dessa tempestade o que é saudável e o que não é para um novo relacionamento.

Quando a gente prende o choro começa a acumular sentimentos ruins e desconfortáveis. E na nossa caminhada passamos a carregar um saco cheio de coisas velhas, que de tanto acumulo se parte. Quando você se dá conta percebe o quão difícil será juntar tudo outra vez, porque você está numa estrada deserta e sem luz. Não que seja impossível de se levantar ou recolher tudo. Mas é tão exaustivo o processo, que pode fazer mal ao seu próprio corpo e refletir na sua saúde. Já foi comprovado, o choro faz bem. Então, por favor, não se prenda. Não neste momento. Nem tente fingir que nada está acontecendo, você não pode fechar os olhos, deve encarar. Porque quanto mais você foge mais difícil será se livrar disso.

Alguns vão dizer que é drama, que o mundo não acabou, que você está exagerando. Deixa pra lá. Cada um sente de uma forma, encara as coisas de maneiras bem diferentes, e isso não quer dizer que elas queiram seu mal. Será que você nunca disse - ou pensou em dizer - algo desse tipo a alguém? A verdade é que ver quem a gente gosta chorando não é legal. Mas é justamente porque fomos acostumados a pensar que o choro é sinônimo de fraqueza e não que colocar para fora poderá fazer o outro se sentir um pouco mais leve, se livrando de um futuro acúmulo de estresse. Pense nisso.

Como disse, você não está sozinhx. Milhares de pessoas no mundo rompem relacionamentos amorosos e até de amizade; milhares de pessoas podem também estar chorando agora, trancadas no quarto sem querer ver ninguém ou olhar o mundo para além das portas de casa. E isso me leva a pensar que talvez seja a vida fazendo uma seleção natural e deixando com a gente somente aquilo que importa para quem somos neste momento. E o primeiro passo é tentar entender e aceitar as coisas como elas são. Portanto, se você me perguntar se isso é comodismo direi que não; eu diria que isso é sabedoria.

Um beijo com carinho. 
© Vida e Letras | Todos os direitos reservados.
Desenvolvimento por: Colorindo Design
Tecnologia do Blogger