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Esta foto é do meu arquivo pessoal e não pode ser usada para outras publicações. |
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Olhando
aqui de dentro é tudo tão claro que às vezes me doem as vistas. É tudo muito
nítido e em cores igualmente trabalhadas e distribuídas que eu posso facilmente
me locomover, mesmo que haja uma tentativa ousada de fechar os olhos e apagar as
luzes. É tudo tão claro que mesmo com as luzes apagadas saberia o caminho de
volta para minha cama. Conheço o que tem no chão, em que posso tropeçar;
conheço o que está no meio e o que posso derrubar ou não.
Vejo
um lustre enorme preso ao teto e as lâmpadas atreladas a ele também estão por
lá: quentes, iluminadas, cada qual em seu lugar fazendo seu papel.
Assim como toda a imagem clara do ambiente
posso ver fotografias espalhadas pela casa em porta-retratos e em quadros
presos nas paredes. Até consigo me ver claramente inerte, vestindo uma camiseta
larga cobrindo todo o meu corpo, enquanto estou sentado de pernas cruzadas na
cama. Chove lá fora. O único som que escuto aqui de dentro é o barulho da chuva
forte batendo nos vidros da janela e no telhado da casa. É um barulho
ensurdecedor. Incômodo. Não me deixa dormir um pouco mais. Sinto meus braços
cansados. Eles doem agora. Parece que dormi um dia inteiro por cima deles, de
olhos abertos, sob a luz e não percebi. Simplesmente não senti. Procuro. Olho
para um lado e para outro. Essa claridade parece querer me cegar.
Um
som. Escuto um som que vem lá de fora. Estrondoso. Acho que o teto vai desabar
sobre mim. Um trovão. Sim, um trovão acima da minha cabeça acompanha a chuva e
a ventania. Então, para de repente. Ora mais forte, ora mais calma. Um ritmo frenético,
uma melodia que já não quero escutar. Parem! Eu não quero, não posso! Preciso
dormir um pouco mais.
Me
levanto da cama e piso o chão gelado. Parece que derreteram gelo aqui e todos
os ossos que sustentam minha carne ameaçam se quebrar. Um passo, dois passos.
Lentos, lentos... len... tos! Quase caio. Será que a claridade é muito forte, o
suficiente para paralisar o meu corpo dessa maneira? Será que o frio é parte do
plano?
Com
muito esforço consigo chegar à janela que tanto desejei. Representa a liberdade
da luz exagerada que me afetam as vistas. Eu queria estar ali na mesma janela
onde costumo ver o horizonte. E assim acontece. Abro as cortinas, afasto os
vidros e cadê? Não há horizonte. Parece que toda luz está aqui dentro. E lá
fora já não há. Vejo um breu, a escuridão. É tudo o que vejo. Apenas o céu
cinzento.
Onde
está a claridade do horizonte que contemplo? Será que estou louco ou as cores
são gris neste lugar? É tudo muito feio. Não quero! Não posso! Me deixem andar,
soltem-me os braços. Quero correr! Você não percebe?! Quero me livrar dessa visão apagada, desse
nada que vejo aqui de dentro.
Preciso
de forças, mas meus braços não conseguem fechar a janela que agora me abre um
caminho terrível. Mesmo assim não desisto. Estou sem forças, porém sou mais
forte que isso. Digo a mim mesmo: “vai,
você consegue. Agora!”. Grito. Estou me afastando, correndo, estou fugindo
de você, fugindo do meu passado, me distanciando desse breu para me banhar na
claridade que existe dentro de mim. Corro em meio a gritos abafados e o caminho
parece distante. Estou voltando de onde não deveria ter saído. Quero meus pés
de volta a cama. Estou tentando alcançar a claridade outra vez.
Diego
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