15 de julho de 2017

Ninguém Nasce Herói - Eric Novelo



Há muito tempo li em algum lugar a frase "Ninguém nasce herói" e fiquei me questionando o por quê dessa afirmação tão óbvia. Nunca consegui me lembrar onde e em qual contexto escutei/ li isso, mas depois que recebi a prova antecipada do livro escrito pelo autor e tradutor Eric Novello pude voltar a esse questionamento e agora tenho finalmente uma resposta, que talvez não seja a mesma da afirmação vista anteriormente, mas que dá conta de instalar na mente do leitor um bom motivo para uma reflexão.

"Ninguém nasce herói. Mas isso não nos impede de salvar o mundo de vez em quando."

A frase acima foi uma das que mais me cativaram na história escrita por Novello. Ninguém nasce herói foi lançado ontem, dia 14 de julho, pela Editora Seguinte, selo jovem da Companhia das Letras. O livro apresenta todo um cenário caótico onde o governo e a intolerância por boa parte das pessoas impedem as pessoas de serem quem elas são e tenta retirar delas a liberdade de pensamento e do hábito de leitura.

Estamos à frente do nosso tempo e o Brasil é liderado por um fundamentalista religioso, o chamado "Escolhido". Nesse cenário, o ato de distribuir livros na rua é uma afronta para o governo, mas foi justamente esse modo resistente que Chuvisco encontrou para tentar mudar a realidade. Com o apoio dos amigos o garoto segue para a praça Roosevelt, no centro de São Paulo, e juntos começam a entregar exemplares de livros proibidos pelo governo - sempre atentos para o caso de aparecer algum policial pelo local. Mas esse não é o único perigo que Chuvisco e seus amigos precisam enfrentar nessa juventude caótica. Há também, na cidade, algumas milícias urbanas, como a Guarda branca, por exemplo, cujos integrantes perseguem as minorias, agridem e até matam com o incentivo do governo. Certo dia Chuvisco presencia esse ato violento quando vê o grupo espancando um rapaz nos arredores da rua Augusta. Nesse momento, o jovem age como um super-herói para tentar ajudá-lo, e então percebe que vai precisar de muito mais do que distribuir livros se quiser realmente mudar seu futuro e o futuro do país.

Ninguém nasce herói nos apresenta a visão de um possível futuro para o Brasil, mas é notório que muito dos problemas abordados no texto já foram vistos ou vivenciados por nós, às vezes de maneira explícita, outras de forma maquiada. Se a leitura é capaz de aguçar nosso intelecto e desenvolver no leitor o senso crítico, é pertinente para a classe dominante que os menos favorecidos não tenha acesso à leitura. Daí a proibição d'o escolhido, no enredo da história; está aqui uma realidade velada, mas existente no país Brasil atual.
"O que mais dói são os que se afastam por medo, como se estivéssemos distribuindo armas de destruição em massa. Talvez estejam certos." (Pág.: 12)

A questão política e cultural, do racismo e da intolerância religiosa é uma constante na história, que também envolve o leitor no mundo fantástico, através da catarses criativas do personagem Chuvisco, nosso protagonista. Uma ideia plausível se as descrições das  cenas provocadas pelas catarses não deixassem a desejar. Elas não conseguiram me tirar do mundo real, não apareceram com clareza para mim e não provocou empatia. E sobre a empatia com os personagens também posso dizer que não houve.

Apesar de estar diante de uma narrativa agradável, uma ideia de texto especial e com reflexões pertinentes desejei mais dos personagens, Chuvisco merecia ser mais forte (não no sentido da força, mas no sentido de representar bem um protagonista), seus amigos também não se apresentam com clareza e se fazem personagens fracos. Uma história com um tema rico, inteligente e necessário merecia personagens mais fortes e diálogos também mais atrativos. Em vários momentos eu não os encontrei.

 Mas nem só para pontos negativos está esse texto. A "pintura" da amizade, a união e beleza desse sentimento lindo está muito bem colocada aqui, principalmente porque uma das mensagens do livro nos diz que a gente deve lutar junto, que é preciso esquecer as angústias, mágoas e amarras para seguir em frente numa luta eficaz para vencer. Num mundo caótico como esse a paz e o amor precisam mais do que nunca estar de mãos dadas.

Outro ponto interessante e pertinente é a questão do comodismo e do medo que existe na vida de boa parte das pessoas. Elas que se sentem intimidadas, com medo de perder o pouco que tem com a luta, de se expor, de falar, de questionar e levantar a voz. Uma crítica a quem se cala, uma mensagem implícita que diz ACORDE, REAJA, LUTE!
"O problema é que o "basta" abre as portas para o desconhecido. E, hoje, o desconhecido causa medo. Infelizmente, é essa a nossa cidade. Desperta para a rotina louca do trabalho, narcoléptica para todo o resto." (Pág.: 09)

Se a ideia é tocar o leitor, beliscá-lo, fazê-lo ficar de pé e atento ao nosso papel na sociedade as reflexões de "Ninguém nasce herói" funcionam bem. Retirando todos os diálogos que não são atraentes e esquecendo o querer de um personagem principal mais forte e vivo, ficamos com um texto que questiona o por que de sermos tão acomodados na vida, bem como na questão social e política. E esses são questionamentos que não podem ser deixados para depois. Você pode ser herói sim.

We can be heroes for ever end ever.

Bjux,

© Vida e Letras | Todos os direitos reservados.
Desenvolvimento por: Colorindo Design
Tecnologia do Blogger