24 de janeiro de 2018

A beleza nas palavras e a Trilogia do adeus, de João Anzanello Carrascoza



Olá, 
Uma das coisas mais lindas de estar em contato com pessoas que amam leitura, principalmente na blogosfera, canal de comunicação pelo qual digo isto neste momento, é que nessa caminhada como leitor e amigo de leitor descobrimos muitas coisas novas em relação a quem somos, a quem queremos ser, ao que nos toca profundamente. Descobrimos novos prazeres com diferentes histórias que talvez não imaginássemos que teríamos. São essas descobertas, entre tantas outras, que dá à leitura essa sensação de prazer, ofertado pela beleza que existe nas palavras de quem escreve com amor.

 Conheci a trilogia do adeus durante um passeio no shopping com uma amiga - Danny -, que também tem um instagram literário. Saímos para tomar um café, depois entramos na livraria para ver as novidades, até que os escritos de Carrascoza, em destaque na prateleira, despertaram a euforia dela, que imediatamente disse "LEIA". Em seguida, começou a falar nas histórias com tanta emoção, com tanto carinho e paixão, que me contagiou. Foi impossível não querer ler também. E quando o fiz me senti maravilhado e abraçado por uma sensação de prazer inexplicável e uma vontade imensa de aproveitar mais a vida.

A trilogia - publicada pela editora Alfaguara, selo da Companhia das letras - conta com três narradores diferentes e cada um dos livros é contato em épocas diferentes, marcando no tempo três gerações. A do pai, já idoso; a da filha, Bia, adolescente - refletindo as coisas sobre as quais o pai relatou e alertou na carta - e do filho, Matheus, agora pai do menino também chamado João, que está entrando na adolescência.

Hoje eu sei como Dany se sentiu no dia que pode falar sobre essa leitura para mim. Hoje eu desejo falar sobre ela também. E começo pelo "Caderno de um Ausente" (finalista do prêmio Jabuti de 2015). 

Sobre o caderno escrito pelo pai João, falo de amor, mas falo de dor também; de angústia, de lembranças e de um querer que dói por ser só querer. Eu posso falar das marcas que o tempo deixa, de saudade, do inevitável - "aqui, onde terás que conviver diariamente com o não, quando todo o teu ser suplicará pelo sim." Falo de família e do sangue correndo pelas veias. É impressionante como as palavras se encaixam nos lugares certos. Chegaram a mim e libertaram um grito preso que eu tinha guardado naquele momento, resultando em lágrimas daquelas que vem do alívio, da pura sensação de prazer, do gozo.

Neste livro, João acompanha o nascimento da filha e decide escrever para ela uma carta sobre o futuro, coisas situações hipotéticas, fruto das experiências que o escritor da carta viveu na vida.  A escritura vai ganhando forma, conforme o tempo, com o crescimento de Bia.  É uma carta de despedida, nostálgica, que em suas páginas apresenta também os laços familiares que os unem desde a existência de entes queridos que já não estão presentes. A saudade é uma constante; saudade do que ainda não viveu, mas gostaria de ter vivido, saudade daquilo que  provavelmente não conseguirá presenciar, embora queira. No entanto,  é só no final da carta que descobriremos sobre a primeira ausência na vida da menina Bia.
"A tua fida, filha, é um texto que há tempos começamos a escrever, mas, daqui em diante, também te cabe pegar esta tinta e delinear o teu curso, tome só cuidado com o que retiras do nada e trazes à superfície, é comum borrar ou rasurar um trecho, mas é impossível apagá-lo, a palavra se faz carne,  e a carne se lacera, a carne apodrece aos poucos, mas é também pela carne que a palavra se imortaliza."

No segundo livro, "Filha escrevendo com pai", temos Bia já adulta, no lugar de fala, vivendo as palavras contidas na carta, relembrando os momentos de dores - primeira queda, coração partido - e descobertas da mudança no próprio corpo e as reações que causam. Aqui vamos presenciar a vida de Bia ao lado do pai já idoso e de como encarou a ausência da mãe durante todo esse tempo de vida. A narrativa conta com fleshes; o tempo é passado, às vezes presente; o agora e o ontem se unindo para o que virá no futuro. 
"Juliana que amo mesmo sem a convivência necessária para se aprender a amar, Juliana que me bordou sob o signo do perigo, quem me desfiar um dia chegará a ela - que bonito, eu digo, que o pai, meu velho pai, o pai encontrou a mãe, Juliana, pra me começar."
As lembranças de Bia como uma forma de resgatar os últimos momentos que viveu ao lado de João.
No último livro, "A pele da terra", a narrativa fica por conta de Matheus, primeiro filho de João, que é citado poucas vezes nos livro anteriores. Nesse livro podemos conhecer um pouco mais de Matheus, mas sem focar na sua relação direta com o pai, a mãe ou a irmã Bia. Matheus, agora separado de sua esposa, com um filho adolescente, repensando seu relacionamento com o garoto, cujo nome é João. O homem faz relatos de um passeio que faz com o filho durante um final de semana e durante a caminhada observa as semelhanças e as diferenças entre eles, bem como o reflexo do pai/avô João em quem eles são hoje. Com um tom melancólico mais do que saudoso, A pele da Terra é um retrato de um pai se acostumando com a saudade de ter o filho todos os dias no próprio lar.
"Eu - você. Eu, cheio de palavras envelhecidas dentro de mim. Você, um texto novo ecoando juventude."
A agradável sensação que se tem com A trilogia do adeus é um sentimento que merece ser sentido por qualquer leitor que gosta de viver a sensibilidade e que tem a família e os laços familiares como uma das maiores riquezas da vida.

Esta trilogia oferece um panorama que se estende através do tempo, para falar da relação fragmentada das famílias (...) E expressa os afetos e a afinidade da nossa existência, mostrando como o cotidiano é sempre matéria rica para a literatura. 

♥ Um Bju meu,
com carinho.

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